O SILÊNCIO DA NOITE
O dia, quando calça a viagem da escuridão, a luz morre no escuro e o silêncio ganha o vazio. Já uma vez, aqui nestas paragens do meu musseque, preguei minha voz no microphone da noite e nem sequer uma nota consegui projetar. Daí, percebi uma coisa: Estou numa madrugada comprida, onde a luz chega devagar entre a janelinha dos meus olhos que se alongam como o tapete asfáltico, meu sono ganha asas e ultrapassa a ilusão de inventar o verbo voarinhar no infinitovoar. Com o silêncio afiado, como o vazio da esperança, não oiço nada, nem sinto nada, apenas exercito a morte no cume da cama. A natureza com sua forma artística, silencia a canção dos animais que nelas habitam. Os pássaros já não cantam, as galinhas já não cacarejam, as cabras já não berregam. Unicamente viajam na medula da noite onde qualquer homem exercita a linguagem da morte.
O isolamento que me acolhe, silencia até mesmo o grito do meu pequeno filho, sorridente e às vezes choroso num tom que desafina a calmaria. Foi daí que pensei: Mas quem faz a semente brotar é o kunanga e quem define o destino do anjinho é o rei sem nascesperma?
Bem lá no fundo do âmago, meus ouvidos nem sequer ouçam o assobio do rei, apenas sinto os gemidos da baronesa cravados na minha memória. Há tempos que não beija os meus braços, tampouco vejo a sua maneira de gingarandando. Porém, daqui por diante, atravessarei o rio Jordão para engolir a distância que me separa entre mim e o anjinho. Ele tem o seu jeitinho. Veja lá, pela manhã, com seu rosto alegre, joga um sorriso com sua boca vazia de dentes. A fome da saudade inquieta meus dias! É nesta porção que me faço burro e começo a borrifar meu olhar com a ventosidade atmosférica. Por isso, esses atongokos, desenvolvem em mim essa afirmação:
A vida é um sopro, assim como a fala. Mas, a morte sempre surpreendeu meu entendimento quando se alimenta do fôlego da vida que nos desloca.
Os fenómenos da vida fazem parte do nosso quotidiano, mas assustam porque vêm de punhos atados.
Às vezes, carregar o vazio entre os dedos tolhidos, numa noite tão escura, é desatar-se de qualquer luta.
Creio na firmeza rude que traz mudança.
Por: Martinho Gamboa.
Rádio Internacional em Português.