GESTOR CULTURAL
Autoria: Janaina Silvestre Nunes, graduada em Serviço Social, pela UNA/BH. Gestora da execução do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, executado pela organização da sociedade civil Circo de Todo Mundo, no período 2019/2021.
Parecerista junto à Secretaria Municipal de Cultura Nova Lima, na análise e avaliação de Projetos Culturais, no ano 2020.
Esse documento tem como referência a execução e cumprimento do Edital 01/2021 – SECULT –MG, Auxilio Emergencial Lei Aldir Blanc. Trata-se de produto como Bolsista, na execução do Projeto Circo de Todo Mundo, aprovado no referido Edital.
A proposta que apresentei e foi vencedora é o registro em formato documental, que aborda a atuação, reflexões e diretrizes sobre o espaço e/ou papel do Gestor Cultural, em organizações da sociedade civil/grupos artísticos. A referência é a minha experiência como gestora cultural em projetos de cunho sócio cultural. A expectativa é possibilitarmos a outros profissionais avaliarem sua prática, fortalecer e profissionalizar o fazer cotidiano como processo da gestão. Teremos assim colaborado e apresentado subsídios para a ampliação do conhecimento, além de mais um cunho motivacional pra o fazer cotidiano.
Como Gestora Sócio Cultural em organização do terceiro setor, apresentamos reflexões sobre essa atuação. A expectativa é trazermos à tona as interfaces que envolvem a Gestão, tendo como parâmetros: o diálogo entre o poder público e a sociedade civil; o que se espera de um Gestor na sociedade atual e compromissos que devem ser observados na sua prática.
Inicio apresentando alguns conceitos, que julgo fundamentais, tendo em vista, o público alvo e missão da organização onde prestamos serviços. Nesse sentido, penso que alinharmos questões básicas como o que é cidadania, direitos humanos e justiça social sejam fundamentais. Essas trazem o norte e composição política de nossa intervenção, que aqui destacamos todos os que recebem o reflexo das diretrizes do Gestor da organização na execução de programas, projetos e serviços específicos. Temos portanto: – público que atendemos; – profissionais que estão atuando e tendem a estar alinhados à nossa prática; – os participantes dos projetos executados e o público expectador e receptor dos produtos construídos e ofertados.
Todos esses constroem o nosso fazer na gestão e nos leva a posicionar e construir o nosso cotidiano. Trata-se de uma gestão de caráter democrático e propositiva, pois envolve diversos atores e públicos.
De acordo com José Bernardo Toro: “cidadão é uma pessoa capaz de e em cooperação com outros criar ou transformar a ordem social na qual ela mesma quer viver e a qual se compromete a cumprir e proteger, para a dignidade de todos. Ser cidadão implica entender que a ordem social (leis, costumes, instituições, tradições culturais), não é natural. Ela é uma invenção, construção e criação de homens e mulheres de uma mesma sociedade. É entender também que essa ordem não produz dignidade, ela pode ser transformada e uma nova pode ser criada em seu lugar, em cooperação com os outros.”
A partir dessa definição, apresentamos diretrizes básicas para uma boa convivência social no ambiente de trabalho e nas demais relações estabelecidas e vivenciadas com o outro, com destaque para o âmbito profissional: respeitar o espaço do outro, não ultrapassar limites. Conviver respeitando as diferenças. Registramos que quando as pessoas se propõe a se comunicar sempre encontram uma forma de resolver seus conflitos pacificamente. Trata-se da capacidade de conciliar interesses de forma participativa, em todos os níveis, até chegar a um bem comum. Buscamos atuar em cooperação com outros, pois todos pertencem à mesma organização, grupo ou serviço e é através dessas que as pessoas constroem o seu fazer profissional e se transformam em atores sociais e culturais. Portanto, todos têm a sua importância e papel a cumprir.
Direitos Humanos: como abordar no contexto da Gestão? Os direitos fundamentais do ser humano, tendo como sinônimo a expressão direitos humanos, compõem-se dos direitos civis (direito à vida, direito a propriedade, direito à liberdade de pensamento e de expressão, dos direitos políticos, dos direitos sociais e econômicos). Vejam que esses direitos se complementam e se integram de tal forma que, sem a existência de todos eles, torna-se impossível a plenitude dos direitos humanos.
Assim não podemos destacar um direito como mais importante que outros, pois precisa-se do conjunto deles para que se possa viver com dignidade. Todos esses direitos permeiam o cotidiano das pessoas e consequentemente da prática de cada um, que uma boa gestão, a partir desses pilares conduz.
Essa condução no contexto mencionado, abre espaços e se estabelece pela “liberdade livre do pensar” onde temos: pense a sua trajetória e o melhor para você; não abrir mão da liberdade, pois se abrir você não sobreviverá; você tem que fazer quanto tempo for necessário e enquanto, quanto for preciso; teremos nesses viés consolidada a persistência. Nessa perspectiva, temos a persistência, a liberdade e a responsabilidade como pilares do alcance dos resultados.
A responsabilidade é trabalharmos no nível da possiblidade, sem perdermos de vista o padrão do ideal, caso contrário não é possível a execução com sucesso. Destacamos o papel do gestor em promover o processo de inclusão de todos os públicos, que aqui destacamos os profissionais, pois se não se sentirem incluídos na organização, no grupo e na função/atividade que exercem não conseguem acompanhar o processo proposto e consequentemente não produzem.
Temos que a expressão cultural de um povo resulta da livre manifestação da sua arte, representada em suas diversas linguagens. A cultura pode ser comparada com a dimensão de seu território; rica e diversificada, compondo um mosaico de valores e tradições. Ter a consciência do grande potencial humano e estético presente nas pessoas. Ter a consciência de que a valorização da cultura é também um fator de inclusão social e deve garantir à população um contato com arte de qualidade é o grande desafio.
Falar em valorização nos remete à Ética e no seu contexto aos valores morais. Existe a necessidade de exercitarmos a ética todos os dias (diariamente), na construção conjunta e direção coletiva e assertiva, envolvendo todos os atores na busca da noção do certo e errado, dos limites próprios e do outro, dentre outras questões. Uma cultura organizacional ética leva ao fortalecimento da credibilidade da organização junto ao seu público e sociedade e eleva o clima de confiança e respeito para com todas as pessoas, que de forma direta e indireta se relacionam. Temos assim o aumento da produtividade como consequência do crescente nível de satisfação geral, o estabelecimento de um clima ético de trabalho e a melhoria das relações, além do desenvolvimento das qualidades humanas e a integridade de todos da organização.
Ainda sobre a gestão compartilhada existe o espaço de articulação, integração e desenvolvimento da pratica junto à REDE. A administração da organização deverá ser num formato que se torne um componente da Rede, em relação à comunidade onde está inserida.
O diferencial é a capacidade de atuação em rede e criação de líderes, que se integram às comunidades e tem a consciência do trabalho em rede. A equipe deverá ser preparada para trabalhar com as diferenças e quanto mais talentos mais qualidade no trabalho.
Para conquistarmos esses resultados, no decorrer da prática verificamos que muitos dos programas e projetos que construímos são passageiros e o que nos cabe é o desafio maior de termos consciência e domínio de nossa prática e da missão da organização.
A diretriz é medirmos a nossa capacidade de transformação e impacto das ações que realizamos. Todos somos fornecedores e canais de transformação e a demanda das ações que realizamos devem ser vistas e executadas com o viés da solução. A estratégia é atuarmos na perspectiva da melhoria da capacidade operacional e considerarmos as forças externas da execução realizada.
Estamos vivenciando hoje, paradigmas de conjuntura do passado, que pensávamos estarem superados. O aumento da desigualdade social, o desemprego em grande escala, as tragédias que assolam nos levam a assumir novas responsabilidades. Existem desafios a serem enfrentados e nem todos estão preparados ou possuem consciência das consequências da desgovernabilidade. Muitas das políticas e serviços foram substituídos pelo assistencialismo e a carência da população favorecem a disputa sem regras de muitos, que buscam o poder.
Para além dessas questões, esse novo mundo virtual onde as informações viajam em tempo real e se avolumam a cada segundo, nos leva a uma prática que exige constante atualização. Temos que nos preparar para exercer novas funções ou estaremos à margem. Nossa expectativa é agregarmos novos processos de mobilização e investirmos em construção de capacidades e competências (formação), além de promovermos o monitoramento e o controle social. Trata-se da parcerização e empoderamento de todos os públicos envolvidos com a prática.
Quanto aos processos que compõe o administrativo em organizações do terceiro setor destacamos: planejamento, organização, direção e controle. Esses princípios idealizados por Henry Fayol, em seu livro Os princípios da Administração foram definidos como base de todas as ações de administradores e empregados, o que se acredita como certo, correto e leal. Esses são ainda considerados parâmetros validos para o estudo, a análise e a pratica do processo administrativo.
O planejamento consiste em determinar a finalidade e os objetivos da organização e prever as atividades, os recursos e os meios que permitirão atingi-los, ao longo de um período de tempo determinado. Planejar é pensar o futuro da organização e definir o que fazer, como, quando e quais recursos serão utilizados. Dentre os aspectos relevantes destacamos a definição da missão que significa a tomada de uma decisão hoje, que repercutirá no futuro da organização. Essa deve ser pensada e definida com a participação de todos que compõe a organização. O Estatuto é o documento legal que estabelece a Missão e identifica os dirigentes, suas competências, a forma de eleição e o processo decisório.
Importante destacar que para além desses processos, para se conhecer uma organização é necessário analisar o contexto no qual ela se insere. É preciso identificar quem ou o que influencia sua estrutura e verificar que tipo de influência esses aspectos exercem, de modo a visualizar os riscos e as oportunidades e estabelecer linhas de ação, que possibilitem prevenir e adaptar as condições do contexto que se insere.
A gestão de uma organização tende a ser contínua, o que evidencia a atuação do profissional, que assume essa função com dinamismo, na perspectiva de que um dia não é igual ao outro. Tem portanto, um papel diversificado e a competência para lidar com muitas coisas diferentes ao mesmo tempo. Trata-se de um desafio complexo, que se caracteriza pela disponibilidade, transparência e entendimento com o outro.
A prática cotidiana vai abranger as áreas de recursos (materiais, físicas e financeiras), que estarão identificadas com a prestação de serviço que a organização realiza e que envolve tipos diferentes de pessoas; ao lado de tensões e acertos. A sociedade dará o direcionamento dos serviços que prestamos fazendo emergir a identidade organizacional. Vislumbramos portanto, o tripé: pessoas e serviços = qualidade; serviços e recursos= viabilidade; recursos e sociedade = legitimidade onde se conclui os resultados a serem alcançados em toda prática: legitimidade, motivação, qualidade e viabilidade. O desafio é conquistar o equilíbrio em cada uma dessas frentes, que na prática se interagem e se influenciam mútua e continuamente.
Concluímos que as reflexões aqui transcritas se identificam como oportunidades para reciclar e trocar conhecimentos, além de provocar o diálogo com os profissionais e que ocorram re-desenhos e possam ser re-significadas práticas e redes de relacionamentos para identificação de problemas comuns em busca da superação.
No fazer diário percebemos que nossos esforços não representam sozinhos respostas às necessidades das pessoas ou ao enfrentamento dos problemas e contextos, muitos desses complexos. Isso não significa que essa percepção seja definitiva sobre nossas ações, mas deve ser considerada como parâmetro, sobretudo na quantificação de públicos, resultados esperados, no alcance das ações e sobretudo na percepção da prioridade de se estabelecer parcerias.
Por fim temos que arriscar, investir e estar o tempo todo atrás da nossa utopia. Testar novas propostas, buscar novos conceitos e nos atrevermos a mudar e reconduzir todos os dias, ou sempre que necessário. Ficam aqui essas reflexões na perspectiva de ter contribuído e trazido inspirações para um novo fazer.
Data: dezembro/2021.
Bibliografia:
TORO A, José Bernardo. Aprendizajes básicas pra la Educacion, em La Convivência Social.
TEIXEIRA, Maria Eneide,Vera Lúcia A – Circo de Todo Mundo: uma história de magia e cidadania;
Em Busca da Infância Perdida: a experiência da erradicação do trabalho infantil e proteção do adolescente no trabalho doméstico em Belo Horizonte. Circo de Todo Mundo; Brasilia:OIT.2004
Cartilha Prêmio Cultura Viva – A Cultura faz o Brasil
Revista Cultura Viva – Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – 2º Edição.