As últimas semanas, em Maputo, não foram as mesmas, pelo menos no tocante à arte. O diferencial foi do cinema e literatura, com a distinção de obras tanto em letras como em imagens em movimento. O maior bónus talvez, é que essas obras são de autores novos, mas também nem por isso.

A título de exemplo, a obra inédita “Marizza” do jovem escritor Mélio Tinga, entrou para a história de galardões com a primeira posição do concurso “Eugénio Lisboa”, um certame aberto a escritores moçambicanos, residentes ou não no país, bem como estrangeiros em Moçambique há mais de 10 anos.

O júri viria a dar a sua decisão na passada segunda-feira, 30 de Novembro. O nome de Mélio Tinga soou como o melhor que cumpriu todas as regras, emanadas no regulamento do concurso, denominado Prémio Imprensa Nacional/Eugénio Lisboa.

A Mélio, a notícia do reconhecimento ao seu trabalho literário, ainda em consolidação, chegou-lhe como que uma (in) esperada carta. Concorreu não só pelo prémio, mas também pela importância de se abrir ao “mundoˮ, até porque o escritor não escreve para sí (há um mundo que lhe espera- ele e a sua “caligrafia”).

O autor de “Marizza” elucida que “este prémio tem um valor simbólico muito grande para mim. Representa esperança e a minha crença sobre o poder que a literatura tem, para mim, como autor, mas também sobre como ela pode transformar-nos, enquanto leitores”.

Mélio Tinga-o escritor- é resultado de seus sonhos e convicções, mas também de referências.Tem na literatura o “porquê” de acreditar nos sonhos. Sonhos capazes de construir um país, de se fazer presente na vida de leitores.

“Gosto de concordar com Louis Aragon quando diz que a literatura é um assunto sério para um país, pois é, afinal de contas, o seu rosto. O prémio é, sem dúvida, um grande estímulo para o meu trabalho como escritor, se há motivos para desistir, acho que há motivos também para acreditar. É um impulso para chegar à outros leitores. E isso é gratificante para qualquer autor, saber que está a contribuir para o fomento da cultura, para uma maior diversidade através de propostas literárias novas, que está a contribuir para compor o rosto do seu país através de uma ferramenta sensível e poderosa como é a literatura”.

Em Marizza, o escritor conta a história de um romancista em ascensão, profundamente apaixonado por Marizza, uma jovem de um talento promissor. Seus caminhos se cruzam no meio de um cenário literário inóspito e corrompido, onde o sexo, o desejo, a traição, o amiguismo, o remorso e o medo conduzem o rumo de toda a estória. É este o enredo que mereceu o galardão, não só em valores monetários (5 mil euros), mas também uma edição, mais reedições, quiçá.

“Avó Dezanove e o Segredo do Soviético” foi também o motivo de gáudio para os amantes de arte, a sétima, mais precisamente. É uma longa-metragem do realizador moçambicano João Ribeiro. Granjeou o prémio de melhor Longa de Ficção e isso foi na 7ª edição do PLATEAU-Festival Internacional de Cinema da Praia, em Cabo Verde.

capa do filme Avó Dezanove e o segredo do soviético

“A Comissão de jurados da 7ª edição de PLATEU- Festival Internacional de Cinema da Praia, deliberou e premiou as categorias previstas no regulamento, assim como acrescentou e reconheceu outros trabalhos que consideram ser importante dar visibilidade e encorajamento para próximas produções. Parabéns aos vencedores”, pode-se ler no comunicado do concurso disponível também na internet.

Os parabéns romperam-se do corpo do jurado e replicaram-se por entre jornais, canais de televisão, digitais e em conversas dos amantes da sétima arte, também admiradores do realizador. Na sua conta da rede social digital, o “facebook”, amigos e seguidores rendiam-se-lhe o entusiasmo.

O cinema moçambicano ainda tem um caminho longo por percorrer, questionámos, por isso, ao cineasta sobre o que vislumbra do futuro da sétima arte em Moçambique. “Prefiro dizer que ainda quero fazer mais filmes, mais adaptações da literatura em português e de um outro país. Pesquisar e continuar explorando linguagens e estilos, para misturar mundos e viajar no tempo. Isso é o que quero continuar a fazer”.

˝Avó˝ de Ribeiro, uma adaptação ao romance do escritor angolano, Ondjaki, conta uma história de amor entre pessoas e desse sentimento que elas têm pelo seu espaço urbano, pelo seu bairro. Mostra que da ingenuidade, do arrojo e do sonho das crianças se podem transformar vidas e mentalidades. Junta culturas, raças e nacionalidades num objecto comum. Lembra-nos de um momento muito especial pós-independência, quando alguns dos países que haviam ficado independentes (1975), travavam mais uma das muitas guerras que tiveram de enfrentar e da maneira “Naif” com que se enfrentavam todas essas dificuldades. No fundo, “tirando a guerra que não nos faz falta nenhuma no presente, o filme explora a importância de tudo isso”.

A “longa” foi co-produzida por três países (Moçambique, Portugal e Brasil) e contou com a participação de dois actores estrangeiros nomeadamente, Flávio Bauraqui de Brasil e Dmitry Bogomolo da Rússia. Teve a participação de vários actores nacionais já conhecidos pelo auditório, mas introduziu os actores mirins Keanu dos Santos (Jaki), Caio Canda (Pi) e Thainara Barbosa (Charlita). A pós produção de imagem e som, bem como a música foram feitas no Brasil. A rodagem aconteceu em Maputo, Matola e Ka-Tembe, com uma equipe técnica formada por portugueses e moçambicanos. O filme estreou no Pan African Film Festival em Los Angels (USA) e já foi seleccionado para o Festival Internacional du Film PanAfrican de Cannes.

Autores de múltiplas facetas

Mélio Tinga, formado em Educação Visual pela Universidade Pedagógica, compõe prosa ficcional. Já publicou “A Engenharia da Morte” (edição independente, 2020) e “O Voo dos Fantasmas” pela Ethale Publishing, em 2018. É designer de comunicação, é colaborador permanente da revista Literatas, onde publica regularmente contos e crónicas.

João Ribeiro trabalha no cinema desde 1987. Começou com fotografia e passou pela gestão, produção e realização (no cinema e na televisão). Tem vários trabalhos como Produtor, produtor-executivo e director de produção para diferentes países. Como realizador, tem três curtas (Fogata, O Olhar das Estrelas e Tatana) e duas longas em ficção (O Último Voo do Flamingo, inclusive Avó Dezanove e o Segredo do Soviético), entre vários documentários e programas de televisão.

Na foto: João Ribeiro

Não bastou, nas últimas semanas, a literatura moçambicana, em particular, foi, ainda, marcada da melhor forma, com o lançamento de “O Menino que Odiava Números”, do escritor Celso Celestino Cossa, obra vencedora do Prémio BCI de Literatura 2019, da “Formiga Juju e a Borboleta Mwarusi” um conto infantil de Cristiana Pereira. Outra boa nova foi da ˝Ilha dos Mulatos”, obra do poeta e escritor Sérgio Raimundo, que já se encontra disponível, fisicamente, nas prateleiras da Imprensa Nacional, em Portugal. O livro, inédito, foi vencedor da 3ª edição do Prémio INCM /Eugénio Lisboa 2019.

 

Texto: Precidónio Silvério

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